Por Tatiana Bastos
Inúmeras vezes quando estou fazendo palestras sobre transparência ou apresentando o etransparente.org a alguma entidade do Terceiro Setor que recebe recursos públicos do poder público para a execução de sua atividade, frequentemente, há a seguinte interpelação: “o poder público não paga em dia e não paga o suficiente para o que é necessário à prestação de serviço”. De fato, é inquestionável a realidade apresentada. Infelizmente, exemplos de boa gestão pública não são tão comuns como o oposto.
Em que pese verdadeiro, esse argumento não afasta o direito previsto no inciso XXXIII do art. 5º de nossa belíssima Constituição, que garante a todos nós o acesso à informação pública, incluindo como o orçamento público é utilizado. Nossa Carta Magna, vale o destaque, também assegura os benefícios da cultura da transparência para a entidade, que incorpora um dos principais elementos das melhores práticas de gestão. Não afasta tão pouco a maior possibilidade de atração de novos doadores para entidades com mais transparência. Além do mais, não afasta a importância da transparência para o fortalecimento da participação social.
Após apresentar esses e outros argumentos sobre a importância da cultura da transparência, enfrento o argumento específico trazido com algumas ponderações:
O Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), Lei 13019/14, estabelece como obrigação de transparência:
Art. 11. A organização da sociedade civil deverá divulgar na internet e em locais visíveis de suas sedes sociais e dos estabelecimentos em que exerça suas ações todas as parcerias celebradas com a administração pública. (Redação dada pela Lei nº 13.204, de 2015)
Parágrafo único. As informações de que tratam este artigo e o art. 10 deverão incluir, no mínimo:
I – data de assinatura e identificação do instrumento de parceria e do órgão da administração pública responsável;
II – nome da organização da sociedade civil e seu número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ da Secretaria da Receita Federal do Brasil – RFB;
III – descrição do objeto da parceria;
IV – valor total da parceria e valores liberados, quando for o caso; (Redação dada pela Lei nº 13.204, de 2015)
V – situação da prestação de contas da parceria, que deverá informar a data prevista para a sua apresentação, a data em que foi apresentada, o prazo para a sua análise e o resultado conclusivo.
VI – quando vinculados à execução do objeto e pagos com recursos da parceria, o valor total da remuneração da equipe de trabalho, as funções que seus integrantes desempenham e a remuneração prevista para o respectivo exercício. (Incluído pela Lei nº 13.204, de 2015)
Em relação aos argumentos de “mau pagador do poder público”, a transparência em relação à descrição do objeto da parceria; os valores liberados; a situação da prestação de contas e os valores da remuneração da equipe de trabalho, são certamente grandes aliados da entidade e da transformação da forma como o poder público realiza sua gestão.
Vejamos:
1. Existe um conhecimento genérico da população de que o poder público é um “mau pagador”, principalmente, em relação à pontualidade. Quando há a demonstração de que a prestação de contas foi apresentada e que o prazo de análise não foi cumprido ou foi cumprido e não houve a liberação do recurso, esse conhecimento genérico passa a ter “rosto” e demonstração de impacto na política pública.
2. Quando há transparência na remuneração da equipe com recursos públicos, geralmente, é evidenciado que o recurso disponibilizado pelo Poder Público quase não cobre a equipe mínima estabelecida pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
3. Quando há transparência na quantidade e tipos de vagas disponibilizadas pelo Poder Público para a política de assistência social, geralmente, também fica evidenciada a carência de investimentos nessa área. Esse panorama geral da Política Pública realizada na ponta é reforçado com a disponibilização dos dados de forma agregada, como, por exemplo, o etransparente.org.
4. As entidades do terceiro setor que são impactadas pela má gestão pública precisam “romper a bolha” de falar com pessoas que já estão sensibilizadas com o problema. A transparência como um projeto conjunto das entidades pode, possivelmente, concretizar essa necessidade.
5. A obrigação de transparência é individual de cada entidade que recebe recursos públicos, mas a mudança da cultura da transparência trará benefício a todos nós.
Por fim, está evidenciado que precisamos ter uma gestão pública mais eficiente, que atenda à garantia dos direitos previstos em nossa Constituição e nas normas infraconstitucionais. E, sem dúvida, a transparência pode ser uma grande ferramenta para essa mudança.
Sobre a autora: Tatiana Bastos é presidente do Instituto de Direito Coletivo (IDC), advogada, especialista em Direitos Difusos e Coletivos, e em Direito Civil Constitucional. É também Conselheira Fiscal SEBRAE/RJ.